terça-feira, 21 de dezembro de 2010

VIII

Que tristeza incontrolável que me toma agora que angustia infinita angustia infinita quanta redundância angustia é a ausência de explicação do sentimento e não saber explicar o que se sente é pior do que ter um inimigo declarado é pior que raiva ou ódio é pior do que ter uma enfermidade que me deixe quatro dias de cama. E para piorar há 5 dias que chovem há cinco dias que não saio de casa há cinco dias que tento me esquecer do mundo. Sem paciência para estupidez humana sem paciência para as neuroses do mundo sem paciência pra mim. Sem vontade de sair de casa sem casa pra sair. Sem mortes nem vidas sem sentido.  Liguei para o trabalho e avisei que estava doente, ah que preguiça da vida que preguiça de tudo. Era meu aniversário.
Hugo apareceu aqui em casa, a última vez que o vi foi quando Elisa veio a primeira vez aqui. Um mês e vinte e três dias se passaram e Hugo chega em minha porta com uma caixa de cerveja, era o único que sabia que era meu aniversário, com exceção de meus pais que me ligaram as oito da manhã. Ele já foi acendendo um cigarro e procurando um cinzeiro, “aceita um”, ele me ofereceu com um cigarro na boca e estendendo o maço em minha direção. Aceitei um cigarro para fazer-lhe companhia, ele me parecia um pouco apreensivo, me deu os parabéns e mostrou a caixa de cerveja “é para comemorar, sabia que não iria trabalhar hoje”. Enquanto eu guardava a cerveja na geladeira ele foi reclamando da vida. Disse que tinha participado de um evento de fotografia esse fim de semana, que não apareceu antes porque estava muito ocupado com isso, mas que os caras eram todos uns filhos da puta fudidos. O mau-humor de Hugo me animava, me fazia perceber que não era o único emburrado neste dia. Éramos dois nostálgicos sentados no sofá.
- É meu amigo, acho que você será a única pessoa que conseguirei carregar como amigo até o fim de minha vida. – ele disse contemplativo, com um olhar vazio que durou alguns segundos, voltando a si ele comentou sobre os dias de nossa viagem. - Lembra Yan, quando nos formamos e estávamos de saco- cheio da faculdade daquele povo que adorava discutir sobre como seria o mundo pós-revolução-marxista que nunca existiu, naquela punheta intelectual e a gente fumando um cigarro de maconha, olhamos uma para o outro e decidimos que toda aquela conversa era uma baboseira infinita e que não valeria mais a pena gastar um segundo de nossas vidas assim, que melhor seria sair dali e pegar uma praia.  E ficamos vermelhos como um camarão porque fazia quatro anos que não íamos a praia porque antes passávamos o fim de semana inteiro fumando cigarro e discutindo o mundo pós-moderno na casa de algum babaca da história. Aquela praia foi maravilhosa, uma libertação, foi quando decidimos colocar a mochila nas costas e sair ai pelo mundo.
- Sim, foi um belo dia, deveríamos viajar novamente um dia desses Hugo.
- É ai mesmo que quero chegar, acho que tá na hora de chutar o balde de novo, sair fora dessa cidade maldita. Lembra-se da gente em La Paz, quando conhecemos uns peruanos muito malucos e você cheirou pela primeira vez, caralho, aquela era uma cena digna de filme. Você vomitando o albergue inteiro e eu tendo que explicar pro cara que era porque você tinha comido algo estragado. E você perdeu o melhor pó da sua vida, o negócio era bom. E depois a gente ficou mirabolando como voltaríamos pro Brasil com um quilo daquele merda pra vender e faturar uma grana por aqui. Mas você foi um cagão. 
- Filho da puta maldito, você só me mete em encrenca.
E caímos na gargalhada, rindo de nossas aventuras absurdas.
-Vamos cara. Você pega seu décimo terceiro e a gente vai na estada,  vai trabalhando de garçom por ai no mundo, vivendo da boa vontade alheia de ajudar dois meninos perdidos precisando de colo.
- Não tenho mais idade para isso Hugo.
- Bobagem, a alma nunca envelhece. E você vai morrer aqui pro resto da sua vida.
- E Inês?
- Ela não quer saber mais de mim, me deu um pé na bunda. 
Dentro em poucos minutos já conversávamos sobre outro assunto. Mas a idéia sobre a viagem me atormentou noite a dentro. E Hugo não deixou ela morrer nos meses seguintes.



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