segunda-feira, 22 de novembro de 2010

VI

Chegando a casa, Elisa já estava acordada e conversava com Hugo, a conversa entre eles era de uma intimidade que pareciam amigos de longa data.
- Yann meu amigo, que mulher encantadora arranjaste, porque não me apresentaste essa pérola antes.
- A gente se conheceu melhor ontem - ela respondeu sem pudores.
E como era despida de pudores essa menina, já estava com uma camisa minha velha e larga. Hugo já me servia oferecendo-me uma lata de cerveja, recusei dizendo que primeiro precisava de um café. Elisa gritou da cozinha que já estava preparando, sentia-se a vontade em minha casa mesmo sendo a primeira vez que ali estava.
- Que mulher bonita você arranjou meu amigo – Hugo murmurou – não faz seu tipo, desde Rachimyr que só te vejo com mulheres feias encomendadas para te distrair e fazer esquecê-la. Onde encontraste Elisa?
- Eu não a achei, fui achado, não se nota?
- É meu amigo, a chegada de sua velhice realmente está te afetando, está fora de forma com as mulheres. Quantos anos vai fazer mesmo, 30?
- Não me lembre disso, ainda tenho alguns meses. Mas não percebes meu caro Hugo a revolução feminina já foi completamente instaurada, os tempos já não são mais os mesmos, os homens perderam completamente sua utilidade, não sei mais qual minha função social enquanto macho, servimos somente para satisfazê-las sexualmente e olhe lá, muitas já se juntaram e não querem nos ver nem pintado de ouro, não sabes disso porque namoras a 10 anos com Inês, mas agora, somos objetos sexuais, e o pior, castrados, porque agora elas querem gozar, e como é difícil satisfazê-las, se nosso desempenho não é aquilo que elas esperam rapidamente já estão com outros e somos jogados para escanteio, isso quando não viram lésbicas. Juro que tenho medo toda vez que estou com uma mulher, ou então elas me ligam, aparecem por aqui no final da noite, na maioria das vezes nem querem dormir abraçadas, já vão pedindo o taxi e indo embora, se não, saem bem cedo e sem se despedir. Não quero me queixar, mas as vezes sinto falta de dormir agarradinho. Não sou um cara com muito dinheiro, sabes disso, e ainda por cima mando uma grana todo mês para meus pais, e agora com essa emancipação sexual e saindo do meio acadêmico nem minha conversa intelectual impressiona mais, fico o mercê de seus interesses.
- Um brinde a revolução sexual meu amigo – bradou Hugo levantando o copo de cerveja – agora não precisamos mais nos esforçar para conseguir uma mulher e ainda sim temos relações sexuais toda semana.
- Sobre o que estão conversando? - Elisa interrompeu trazendo um copo de café.
-Política – respondi.
- Mulheres – respondeu Hugo simultaneamente.
- Trouxe bolo de banana, está aqui sobre a mesa. – insisti em desviar o assunto. Elisa fez pouco caso, não insistiu sobre o que conversávamos, provou o bolo e sentou-se ao meu lado dividindo comigo o copo de café.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

V

- O pessoal vai comemora a estréia aqui perto, você vem é claro – ela me disse com seus olhinhos grandes de cachorro, aqueles olhinhos que não se pode negar nenhum pedido.
Deixei que a cena se desenrolasse conforme as convenções necessárias para se levar uma mulher pra cama, aceitei o convite um pouco sem jeito por não pertencer ao grupo, mas ela já dava indícios que não diria não as minhas investidas.
- É claro, não perderia por nada.
E fomos todos a um bar ali por perto. A noite não foi tão desagradável quanto esperava, dentro de mim existe um pessimista esperando ser surpreendido.  Interagir com pessoas da mesma espécie em um estágio de euforia embriagante me suscitava prazeres demasiado agradáveis.
No fim da noite não foi necessário perguntar, Elisa me disse
- Vamos pra sua casa?
Acordei com uma ressaca filha da puta as 8 da manha com uma passeata pela paz nas ruas do centro da cidade. Que maldita paz é essa que um sujeito não pode dormir até mais tarde depois de uma trepada maravilhosa. Sempre achei a coisa mais inútil do mundo as passeatas pela paz, não que eu seja uma pessoa despolitizado, muito pelo contrário sou favorável a diversos tipos de manifestações reivindicatórias, minha barba rala não me deixa mentir, mas há algo mais sem sentido que uma passeata pela paz, afinal o que isso quer dizer? O que isso quer dizer? Essa maldita buzina as oito horas da manha em meu ouvido, é isso que eles chamam de paz? Porque não fazem uma maldita passeata contra a corrupção, contra a desigualdade social, porque não jogam uma maldita bomba no congresso, porque esses malditos pobres inertes continuam vendendo seu voto e suportando a merda do ônibus lotado todos os dias. Que merda de paz é essa, esse bando de filho da puta corrupto se reelegendo ano após ano e ninguém faz porra nenhuma. Essas malditas buzinas me acordaram e me deixam num extremo mau humor, e isso é paz? Olhei pela janela e vi que as pessoas dos edifícios em torno da avenida jogavam pedaços de papel branco e jornais picados, imaginei a paz que os garis teriam depois de toda aquela bagaça.
A Elisa ainda dormia sem dar um sinal de que a gritaria lá de fora a perturbava, um meio sorriso nos lábios indicavam algum sonho indecoros talvez. Ouço alguém esmurrando a porta, seria algum maldito Testemunha de Jeová pedindo paz? Por deus me livrai deste mal, já paguei todos os meus pecados com as cintadas de minha mãe na minha infância quando eu pulava o quintal de dona Ivone pra roubar carambola e cajá. Olho pelo olho mágico da porta e é o maldito Hugo com uma caixa de cerveja em mãos. Maldito portão quebrado do edifício, a merda do prédio não tinha interfone, o maldito do cara, que era o único que me visitava, gritou meu nome pela rua, mas com esse barulho da paz não consegui ouvir. Ele disse que pulou o portão, perguntei se alguém o viu e ele respondeu que havia uma velha sentada no banco da portaria, mas que ela não se mexeu, nenhum murmúrio, completou dizendo que talvez a velha estivesse dormindo, se não, o caso era de óbito. Era só o que me faltava, uma velha morta na portaria de meu prédio e uma testemunha que tenha visto Hugo pulando o portão. Desci correndo desesperadamente. Vi que se tratava de dona Carmelita, uma senhora de seus lá 85 anos que possuía mal de Alzheimer e que sua filha Carmélia tomava conta. Talvez fosse melhor avisá-la, parei no segundo andar onde ela morava e toquei a campainha, avisei que sua mãe se encontrava lá na portaria e me parecia perdida, ela me agradeceu, insistiu que eu entrasse.
- Vamos meu filho, entre, não fique ai na porta que nem um tonto.
Tanta simpatia me comoveu, no mais, sabia que não haveria escapatória, a velha-menor não me deixaria em paz enquanto não entrasse para tomar um chá. Ela pediu que eu me acomodasse na cadeira da mesa onde o café da manha já estava posto e para eu ir me servindo enquanto ela desceria para buscar e velha-mor. Acenei com a cabeça no sentido que sim, apesar de minhas mãos permanecerem sobre minhas pernas sem saber o que fazer. Senti o cheiro do chá de capim-cidreira enquanto tudo que mais queria era um café extra-forte sem açúcar, mas naquela casa não entrava cafeína e eu me perguntava como aquela velha conseguia permanecer de pé todo o dia. Malditas convenções sociais. Eu passava a semana inteira tentando evitar a velha, para num descuido de Hugo eu parar nessa casa com cheiro de mofo e mijo e tendo que tomar chá de capim-cidreira.
A casa ainda conservava os móveis antigos, desses que não se fabrica mais e que são feitos para durar, numa decoração nada moderna, nas paredes encontravam-se duas borboletas de metal douradas, na entrada uma jarra grande de um metro com umas folhas de palha seca, o sofá marrom e um tapete bordado com o menino Jesus, mesa de centro, poltronas, uma estátua de cachorro num outro canto abaixo da janela, a mesa de jantar toda de madeira assim como suas cadeiras, e todas as outras bugigangas se encontravam naquela sala que mau-mau dava espaço para uma pessoa passar. Era de uma breguisse tamanha que no final tudo de harmonizava. A velha-menor chegou carregando a velha-mor.
- Ai menino, essas escadas ainda me matam.
- Vaso ruim não quebra
- O que você disse meu filho?
- Não, nada, estava somente pensando alto. - sorte que as velhas eram surdas
- Venha, tome um pouco de chá - e ela foi me servindo na xícara.
A mesa sempre posta pra duas pessoas mesmo a velha mor não comendo na mesa. Talvez ela sempre estivesse a espera para uma possível visita, ou encontrar algum vizinho descendo ou subindo as escadas, sempre de prontidão para servi-lhes uma xícara de chá. Talvez aquela velha sentada na portaria fosse uma isca para que alguém batesse em sua porta e não tivesse escapatória. Maldita dona Carmélia.
No final ela insistiu que eu levasse um pedaço de bolo de banana. Fiz posse de quem iria recusar, mas aceitei de bom grado, diria a Elisa mais tarde que fui a padaria só pra comprar-lhe café da manha. Pronto fiz minha boa ação do dia, o reino do céu já estava garantido.