segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

VII

A conversa se estendeu até o começo da noite, nós três, como amigos de infância que não se viam a muito tempo e precisavam colocar em dia os detalhes dos últimos anos. O assunto favorito de Hugo, discutir sobre arte. "O que mais discutiríamos política, religião? o mundo estava um caos lá fora e o sentimento de impotência perante tudo isso assolava a juventude de uma forma assustadora", nada mais fazia sentido Hugo dizia, “então porque perder tempo tentando resolver os problemas do mundo se isso só geraria sentimento de frustração e não há nada que nos salve", ele se considerava um pessimistas convictos sem a intenção de mudar, "nos resta a distração, qualquer forma de tentar entender o mundo sem a arte é evasiva, qualquer forma de guiar a vida sem a arte é evasiva, nos resta conversar sobre ela ou a falta dela.” Ele dizia eufórico com sua razão convicta, com um frenesi de quem gostaria de salvar o mundo de sua ignorância.

- Você viu a exposição desta galeria aqui perto, é de um artista local, mas que merda hein se eu fosse um pouco mais hipócrita estaria ganhando dinheiro como artista mas tenho vergonha de expor merdas, mas certamente seriam melhores do que as que vi. Será que esse povo não entende, tratar a arte apenas como um impulso criativo é matá-la aos poucos, já não basta tanta feiúra e tristeza que vemos por ai porra, quero entrar em uma galeria  e deslumbrar-me com a beleza. E agora com essa arte conceitual qualquer merda que se faça é arte contemporânea, me recuso a ser contemporâneo desses medíocres egoístas que fazem arte como se estivessem questionando o mundo quando na verdade só querem satisfazer o próprio ego de ver sua obra em uma galeria e dizer que são intelectuais e pensadores do mundo. Se não fosse por uns e outros que não se convenceram de toda essa hipocrisia a arte poderia ser dada como morta. – estou certo de que Hugo concordava comigo, mas ele fazia questão de me retrucar e mostrar outra perspectiva sobre o assunto só para provar que entendia mais de arte do que eu.

- Ora Yan, nada mais contemporâneo do que esse lixo artístico com que nos deparamos nas galerias, eles refletem justamente a crise desse mundo pós-moderno. De desarmonia com o mundo, com o corpo e com a mente, nesse emaranhado em que nos encontramos que não tem propósito. Observe meu caro Hugo se o que te digo não tem lógica, a Terra possui uma pulsação que vibra na mesma sintonia que nosso coração, é como se fossemos tudo a mesma coisa, a Terra é uma extensão de nossos corpos, e tudo que fazemos para agredi-la volta-se contra nós, não só na água poluída, mas numa sensibilidade intrínseca que possuímos de sentir o mundo na mesma sintonia do pulsar do coração, ainda não sabemos o que esse sentimento de caos que absorvemos significa, mas toda essa agressão que criamos é repassado e transmitido através da arte.

Eu rio.

- Mas é verdade! – Elisa tenta participar de nossa dinâmica absurda.

- Rio pela ironia deste mundo. Quer dizer: nada mais contemporâneo do que esse lixo artístico?! É desse mundo que eu faço parte, é desse processo de destruição que faço parte. Dessa loucura sufocante e agonizante que não tem sentido. Nesse mundo niilista, que é refletida nessa arte niilista. E a arte é um refugio e uma denuncia anônima, que não tem sentido para quem produz ou reproduz isso. A arte se torna uma válvula de escape em que expressamos essa agonia. Essa arte-lixo é uma denuncia de que o mundo está em crise, de que viver não tem sentido, que estamos destruindo a Terra assim como a nós mesmos. E em minha agonia me pergunto, para que o mundo produz tanta arte? É a esse conclusão que devemos chegar, que a arte é um refúgio da alma, não de uma alma divina, mas no sentido filosófico do que dá animo ao ser.

- Bem, poderia ser a religião, uma paixão, assim como pode ser a arte. Mas o prazer de viver da arte é somente para os que beiram a loucura, vide Van Gogh e Goya, geniais, Modigliani e Claudel, todos em sua insensatez, pois nada mais abstrato do que arte, você não sabe o porquê, mas ela te alimenta, te satisfaz e te completa. Não é como o amor, pois não te limita e não é como uma religião, pois não te dá uma resposta pronta. A arte é somente para os que beiram a loucura!

Caímos exaustos no sofá embriagados e com mais um trago na cerveja para digerir toda a discussão. Alguns minutos de silêncio e Hugo decidiu ir embora.

- Vamos Elisa te levo em casa.

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