segunda-feira, 23 de maio de 2011

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                                                                                                                               (para Iran)

Alguns dias por ai, sem sentido, aquela velha rotina, mas agora eu ficava a maior parte do tempo com uma cerveja em mãos e sentado no sofá que posicionei de frente à janela na qual não me cansava de olhar, mesmo que fosse para mirar outras centenas de janelas do outro lado da rua. Reservei-me a minha casa a não sei quantos dias, me perdi no tempo-espaço, o que sei é que nesses dias meu contato com outros seres humanos não era nada além do mínimo necessário, abandonei o trabalho, dizia apenas bom dia à dona Carmelita que sempre estava com sua porta aberta e insistia em me saudar. Os dias passaram e eu não me dei conta, não sabia direito em que mês ou dia estávamos, há quanto tempo foi a última visita de Hugo ou o dia de meu aniversário. Minha barba rala estava grande, as unhas dos pés já machucavam quando calçava os sapatos, e eu passava o fim do dia inteiro olhando por aquela janela.

Um prédio grande, verde e branco, com janelas miúdas que abriam na vertical, algumas luzes acessas outras não, algumas com cortinas, diversos tipos de cortina, de pano, blackout e persianas, geralmente em tons claros. Não conseguia enxergar direito as pessoas, a distância provocada pela larga avenida não permitia, o barulhos dos carros, motos, ônibus e caminhões eram perfeitamente distinguível. Mas depois de certos dias, não sei ao certo quando, eu não ouvia ou enxergava mais nada daquilo, meus pensamentos distantes vagavam por um passado esquecido, recordações fracas de minha infância e juventude, as coisas se perdiam em minha mente.

Por alguns instantes pensei em sair um pouco, tomar um ar, talvez um cinema, procurei o jornal do dia que se entulhava e misturava com os outros jornais, ainda dobrados e guardados na sacola que o jornaleiro trazia, intocados pela minha falta de paciência em interagir com o mundo. Olhei a programação do cinema, e não sei se o universo conspirava contra mim ou se por uma terrível coincidência, todos os filmes faziam uma alusão ao amor, se não o carregavam em seu nome, suas histórias eram focavam essencialmente em relações amorosas, todos os bons cinemas que eu gostava de frequentar exibiam apenas dramas baseado nas diversas concepções de amor. Perguntei-me se era por conta do inverno, não me lembrava de ter visto uma programação assim tão dramaticamente romântica no verão. Mas não, eu não estava preparado para ver um drama baseado no amor naquele momento, nem tanto por conta de Elisa, mas por estar me achando cada dia mais velho e rabugento, não só na visão que os outros tinham de mim, mas por eu carregar uma certa exigência para tipos de mulheres que deveriam corresponder a um perfil que eu desejava, é claro que sempre existem as mulheres de uma noite só, ou de duas semanas no máximo, não seria capaz de aturá-las além disso, mas estou me referindo àquela mulher que pudesse cuidar de mim agora que estava realmente sentindo o peso da idade. E quando eu pensava nisso, nenhuma mulher me vinha a mente além de Rachimyr, mas ela já é um passado que não posso mais almejar. Defrontar-me com minha incapacidade de amar e ser amado era tudo que eu não gostaria naquele momento.

E assim, sentado em meu sofá lendo o jornal num fim de tarde, a luz de meu apartamento foi cortado. Malditos miseráveis! poderiam ter feito isso pela parte da manhã, mas ao invés disso preferiram me deixar na miséria e no escuro no final da tarde em que nada mais eu poderia fazer além de esperar amanhecer . Acendi algumas velas, ainda um pouco desnorteado. Vi que algumas contas se acumulavam em cima da mesa. Abri uma por uma com a calculadora ao lado e fui somando minhas dividas. A situação estava pior do que eu imaginava. Nesta noite passei em claro fumando um maço de cigarros. Assim que amanheceu fui tomar café na padaria da esquina e esperar o banco abrir para pagar a conta de energia, primordial naquele momento.

Percebi que minha divida era maior que minha capacidade de pagá-las. Uma ponta de desespero pesou sobre minhas costas. Não via saída para aquele drama que se sobrepunha em minha vida. Voltei para casa, voltei a sentar-me no sofá, voltei a acender um cigarro e a única solução imediata que encontrei foi vender meus livros.

Teo estava ali, sentado naquela mesma velha cadeira posicionada no final de um corredor de livros usados. A mesma barba e semblante de homem cansado dos tempos de minha faculdade. Recordo-me de passar tardes a fio ali no sebo, matando as aulas sobre 'a história em karl marx', para ficar sentado ao seu lado depois de fumar um cigarro de maconha. Conversávamos sobre todos os livros da estante e principalmente sobre bucetas. Sexo e livros era tudo que desejávamos nesta vida. Revê-lo da mesma forma depois de quatro anos que sumi dos arredores do campus da universidade foi um conforto.

Não sucumba a mediocridade ele me disse. E enquanto conversávamos sobre os extremos que a vida nos levava uma universitária de cabelos claros e embaraçados que folheava um livro disse que preferia a estabilidade, pensei o quanto era bom ser estudante onde tudo era possível e o peso da vida ainda não recaia sobre os ombros e transparecia no olhar. Certamente a estabilidade é um objetivo à todos em sã consciência, o difícil é mantê-la, respondi em tom de simpatia. Ela sorriu, ainda que continuasse olhando o livro e respondeu algo que não me recordo agora porque estava ocupado de mais prestando atenção em seu corpo torneado, só me passava pela cabeça o quanto ela deveria ser boa de cama.

2 comentários:

  1. olha que louco, um dia você perguntava se havia diferença da escrita feminina para a masculina, e eu achava que havia, mas não sabia o que... pois este texto parece escrito por um homem, tamanha identidade com algumas peculiaridades masculinas em relação às fêmeas... gostei muito (não pela "masculinidade" do texto, óbvio, mas pela leitura agradável), está ficando ainda melhor essa saga interminável...

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  2. você sabe que este é o melhor elogio que eu poderia receber! ;)

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