segunda-feira, 16 de agosto de 2010

III



José Saramago faleceu esta semana e resolvi ler Ensaio Sobre a Lucidez, uma forma discreta de homenageá-lo, me pareceu pertinente também, por se tratar de um ano de eleição. Não é à toa que os gênios são imortais, atemporais e dizem exatamente aquilo que você gostaria de ouvir mesmo que não tenha absolutamente nada em comum com sua realidade, eles me irritam porque me fazem parecer tão medíocre diante de minha incapacidade literária. Tive que concordar com ele quando me disse que “as maneiras de conjugar o destino são muitas e quase todas vãs”, daí eu me perco em minha cama me perguntando qual o sentido de tudo isso.

Elisa amanheceu aqui em casa de novo, é a quarta vez essa semana. Desta vez levantou mais cedo que eu e colocou a água no fogo para o café. Achei estranho quando me levantei para lavar o rosto e vi sua escova-de-dente em cima da pia, tenho certeza que isso já foi tema de filmes, assunto nas mesas de bares e principalmente causa de inícios e términos de relacionamentos, a maldita escova em cima da pia, o que significava isso? Por deus já fazia um mês que a conhecia e não me dei conta. Durante os quatro anos que estive com Rachimyr ela carregava escova-de-dente e pasta dentro da bolsa, e quando por descuido esquecia em minha casa sempre pedia desculpa pelo pelo relapso e as carregava novamente. Tenho duvidas se sua atitude em relação ao assunto era por conta própria ou culpa minha, a primeira vez que ela a esqueceu liguei urgentemente para seu trabalho para avisá-la de sua falha, discreta e serena, ela respeitava meus medos em assumir compromissos, talvez até por medo de me perder.

Elisa apareceu quando eu estava em um café numa segunda após o trabalho, gostava de uma mesa no canto, entre as quinas da parede que me ofereciam um espaço para encostar, me traz uma sensação de segurança, quase como uma companhia. E lá estava eu mais uma segunda com um copo de café expresso duplo sobre a mesa, pão de queijo na mão esquerda e o livro do Saramago se equilibrando em minha mão direita, o local estava cheio, como de costume naquele horário, e ela perguntou se poderia sentar em minha mesa enquanto já se acomodava no banco. Confesso que se ela não fosse tão incisiva e com um olhar penetrante passaria despercebida naquela mesa e seria facilmente esquecida na mesma noite, mas não, ela foi logo me perguntando que livro eu lia, do que se tratava e se era bom, e toda a minha concentração para a leitura foi pelo ralo, emendou o assunto perguntando sobre meu signo e minha profissão, disse que gostava de poesias e era atriz de teatro, me convidou para assistir a esteia de sua peça em um teatro pequeno da cidade, escreveu data, horário e local num guardanapo com seu nome e telefone e uma marca de beijo de batom rosado. Foi assim tão rápido que mal tive tempo de respirar, só me recordo de ter dito meu nome, há de notar-se que quase não falei, o diálogo foi todo conduzido por ela, como uma atriz principal e eu um mero coadjuvante, quando saiu tocou minha mão, levantou para pegar casaco e bolsa e fez carinho em meu cabelo e disse que me esperava no sábado.

Aquela atitude em excesso não me agradou no momento, e apesar de sua beleza, todas aquelas perguntas, enquanto a única coisa que eu gostaria era ficar só, me chatearam um bocado. Fui pra casa pensando na inconveniência daquela menina. A rotina voltou a mesma até que veio o sábado, eu ouvindo Bo Diddley enquanto procurava um cigarro de maconha perdido para me fazer companhia e me deparei com um pedaço de guardanapo, eram 17:40 e a peça começaria as 19:00, se tomasse um banho rápido talvez ainda pudesse chegar a tempo, calculando que o percurso até o teatro seria rápido pela ausência do transito dos dias da semana. Teatro nunca foi um interesse que me motivasse sair de casa, mas a possibilidade de sexo já era motivo suficiente.


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário